JANJÃO (Estória para Milena)

Estória que criei para minha neta Milena, quando ela era pequena.





               

Ele nasceu e se criou na roça. Recebeu o nome de João, mas era conhecido por Janjão. Uma vez ao ano ia na cidade, às vezes nem isso. Janjão só queria saber mesmo era de roça. Não conhecia nada das modernidades de hoje. Era um homem bom, simples e alegre. Não reclamava de nada. Era feliz.
 Mesmo sendo simples e morando na roça, Janjão gostava das coisas direitas, e era muito honesto. Todos gostavam dele, principalmente pelo modo como ele falava, sempre  mostrando como ele achava que as coisas deviam ser.

  
Ele plantava todo tipo de fruteira: manga, goiaba, abacate, coqueiro, bananeira. Em seu sítio tinha melancia,  melão, abacaxi e até uvas. Janjão era muito trabalhador. De roça ele sabia de tudo. Só não tinha muita leitura, nem sabia falar direito, porque não tinha freqüentado Escola.
-- Ô, muié - era assim que ele falava - tô cum fomi, vê se bota logo esse armoço!
No sítio de Janjão, também tinha um cavalo,  uma vaquinha leiteira e grande quantidade de galinhas. Sem falar em cachorros e gatos.
Todo dia de manhã, Janjão ia tirar o leite da vaca, que tinha o nome de Malhada.
-- Maiada, Maiada - Chamava Janjão, e a vaca com o bezerro encostava.
Você sabia, Milena, que nas fazendas, mesmo onde existem vinte ou trinta vacas, todas elas tem um nome, e atende cada uma pelo seu nome juntamente com o bezerro, filho dela?  É, sim.

Janjão não tinha filhos, por isso uma boa parte do leite que ele tirava de Malhada, vendia, e, guardava o dinheiro, juntando, para mais tarde comprar mais vacas.
                   Quando já tinha uma boa quantia de dinheiro, ficou sabendo de uma coisa que o deixou bem curioso e interessado.
-- Muié, aperpara minha rôpa,  qui ôje perciso ir na rua. - Falou Janjão para a esposa.
-- Uái! Qui sê vai fazê na rua, Janjão? - Perguntou a mulher.
-- Ouvi falá num tar de Banco, onde a gente pode guardá o dinhêru e tirar quando quisé. Dis qué muitu bunitu. Qui tudu quanto é fazendêru guarda dinhêru lá.
-- Mas, tu não é fazendêru, Janjão! Purquê não guarda o dinhêru debaxo do corchão mermo?
-- Num sô, mas posso sê ainda. Vô botá nossas economia no Banco, ou tamburete, seja o que fô. Traga minha rôpa. - Falou Janjão, decidido.
-- Qui rôpa sê qué, ome. Sua mió rôpa tá rasgada - respondeu a mulher.
-- Intônse custura, uái. Sê sabe qui não gosto de andá cum rôpa rasgada!
-- Craro, nem eu quero qui sê ande pur aí qui nem ismolé! Já não custurei antes pur farta de tempo.
-- Eu sei, muié. Tu é muito trabaiadêra. Quandu fô muié de fazendêru não vô dexá ôcê se matá no trabaio. Vô butá uas cabroxa prá ti ajudá.
-- Ah! Janjão, tu tá soiando!
A mulher de Janjão começou a remendar a roupa, e enquanto costurava, pensava:


A vida de Janjão era cuidar da lavoura, de seus bichos, e claro, de sua mulher.
                         Fazendêru! Devi de sê muito bom sê muié de fazendêru! Esse meu marido! Hê, hê, hê...



O gato, alí perto, parecia adivinhar os pensamentos de sua dona.
Nanuque-MG, 26/05/2002
Assim, Janjão dirigiu-se à cidade. Lá ele tinha um primo, que era também um grande amigo. Sempre que ia à cidade procurava o primo para saírem juntos.
-- Ôcê é muito sabidu, primo. Sabe de tudo qué coisa de rua!
O primo de Janjão sorria, contente.
Antes de irem ao Banco deram umas voltas pelas ruas, entrando em lojas, olhando as novidades. Tudo era bonito e atraente para Janjão. Mas, o que mais lhe chamou a atenção,  foi a roupa que as mulheres usavam. Janjão não conhecia nada de moda, de costumes modernos.
Passou uma mulher com  o vestido que tinha uma abertura ao lado, debaixo até à coxa.
Janjão parou, e ficou olhando, de boca aberta, coçando a cabeça. Falou:
-- Coitada! Na certa foi pulá ua cerca de arami farpado e rasgô o vistidu.
O primo  caiu na risada.
Entraram numa sorveteria. O primo de Janjão pediu dois picolés. Quando Janjão experimentou, gostou tanto que disse para a moça do balcão:
-- Qui coisa danada de boa! Môça, imbruia dois aí, qui queru levá prá minha muié, lá na roça.
O primo ria, e a moça ficou sem saber o que fazer.
-- É brincadeira! - disse o primo de Janjão.
Estavam novamente andando, os dois, pela calçada da rua, quando Janjão parou ao ver outra moça passando.
-- O que foi? - perguntou o primo.

-- Das duas uma: ou fartô dinhêru prá cumprá panu, ou errô na midida. Essas môças da cidade num são muito inteligente!
O primo bolava de rir. Era uma diversão sair com  Janjão. O que era interessante, é que ele, na sua inocência, falava com toda sinceridade. Quando o primo ria, ele acabava rindo também, mas não era essa sua intenção ao fazer as observações.
Por fim, chegaram ao Banco.
-- Num parece um Banco - Observou Janjão.
-- Por que? - perguntou o primo, sem entender.
-- Pudia ter o nome de sofá. Banco é movis de casa de roça!
-- É, Janjão, você não tem jeito mesmo!
Falaram com o gerente, e foi tomada as providências para a abertura da conta de Janjão.
Ah! Milena, sabe que Banco era? Era o Itaú. Aquele que você já conhece desde pequenininha.
Janjão e o primo estavam na fila para fazerem o depósito, quando aconteceu outra coisa muito engraçada.
Você sabe, Milena,  que é moda as moças vestirem calças rasgadas, nas pernas e até no traseiro. Eu já vi. Mas você nunca deve usar roupa assim, certo?
Continuando nossa história, veja o que aconteceu no Banco.
Na fila, bem em frente de Janjão, estava uma moça, vestida numa calça  jeans,  rasgada, como é a moda.
Quando Janjão percebeu, ficou incomodado, ficou vermelho, e não sabia o que fazer. Olhava para os lados, olhava para trás. Ele achava que a moça não sabia que a calça estava rasgada bem naquele lugar. Então, decidiu, tinha  que avisar. Tocou de leve no ombro da moça, que se virou.
-- Moça, sua carça está rasgada bem no fiofó.
Todos os que ouviram, começaram a rir. E a moça, meio encabulada, saiu da fila e foi se sentar em um local à parte.

Quando Janjão chegou em casa não parava de contar as novidades para a mulher, que ouvia encantada, com muita atenção.
-- Ah! Janjão, cumu ôcê é ispertu!
-- Pois é, muié. Ôcê percisa vê cumu são as coisa na cidade.
Assim era Janjão, e assim continuou com sua vida simples na roça.

                                                FIM
Nanuque-MG, 26/05/2002